Digam o que disserem poucas coisas são tão nossas como o som e a forma de uma guitarras portuguesa. Não é preciso ser bairrista para entrar na Escola de Fado de Coimbra, ver os instrumentos nas paredes, prontos a usar, e sentirmo-nos invadidos por aquela sensação de pertença que nem sabemos por que a temos mas ela está lá. Nesta casa, com a dedicação de um grupo e o esforço e ambição de um músico em particular, planta-se a semente do fado de Coimbra no coração de jovens e homens e mulheres de várias idades e sem ter nada a ver com turismo ou com a imagem do estudante que vende a cidade.
Conversámos com Diogo Mendes que, há 5 anos, deixou de dar aulas em casa e fundou o espaço no piso -1 do Centro Comercial Primavera onde com ele e mais 3 professores pode-se aprender guitarra portuguesa, viola e canto focados no fado mas também noutros estilos e está na calha um estúdio de gravação, entre outros projectos. Tem-me trazido muitos amigos e muitas coisas boas, conta Diogo. Temos trabalhado muito na questão digital, nas redes sociais e aulas gratuitas no Youtube de guitarra portuguesa. O canal tem mais de 2 mil subscritores e vem aí um curso completo para os interessados.
Diogo Mendes
Longe vão os dias em que tocava guitarra eléctrica e usava o cabelo comprido na vila de Tábua. Não estava nem aí para o fado, diz o músico sobre a altura em que chegou a Coimbra para estudar na universidade. Rapidamente o cabelo ficou algures na Estudantina Universitária e os Guns’n’Roses passaram a tocar só mesmo junto ao peito cestampados na t-shirt que leva neste momento por baixo da camisola. Entretanto actuou em grandes palcos como o Coliseu dos Recreios e o Coliseu do Porto, não só com grupos académicos como a acompanhar artistas como Vitorino e Janita Salomé e João Farinha. Passou pelas casas de Fado de Coimbra, especialmente o Fado Hilário, lançou um disco com o Grupo de Fado Amanhecer e avançou com a carreira a solo e um álbum a solo no ano passado. A ambição mesmo é que a Escola um dia esteja para o fado de Coimbra como o Hot Clube de Portugal para o jazz em Portugal. Enquanto conversamos, espreitam por trás da cabeça de Diogo, penduradas na parede, uma boa dezena de molduras com fotografias de alunos que hoje tocam ao vivo pelo país fora.
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Alunos
As aulas têm cerca de 1h. Diogo Mendes, Pedro Ventura, Fábio Borges e João Ferreira ensinam cerca de 35 jovens e adultos na Escola de Fado de Coimbra das 10h às 20h durante a semana e aos Sábados da parte da manhã e início da tarde. São sobretudo universitários, ‘pós-universitários’ e reformados ou quase reformados, diz Diogo. Inclusive mulheres, sobretudo no canto mas também na guitarra portuguesa. Curiosamente algumas vêm ter connosco e perguntam se ‘podem’ aprender, como se fosse proibido, continua. Brevemente vão lançar um curso online.
Identidade
A música de Coimbra está muito associada à própria cidade e às tradições académicas, está muito apegada, ao contrário do fado de Lisboa em que hoje em dia há espectáculos que não têm a questão bairrista, explica Diogo. O músico defende que um dos problemas em Coimbra é a falta de profissionalização e diferenciação entre artistas que quem sabe uma entidade que fizesse esse trabalho e apoiasse os artistas mais sérios, por assim dizer, resolvesse o problema. É uma coisa que me chateia um bocado, as pessoas muitas vezes querem a cena do estudante, que eu percebo porque faz parte da mística da coisa mas era bom também fazer algo para além disso. Enquanto cresce a Escola que Diogo sempre quis que fosse uma escola de topo e a nível da guitarra portuguesa – e não tem a mínima dúvida de que é, por causa de todo o material que já escreveu, do plano de estudos, dos vídeos para os alunos verem em casa -, vem aí também um estúdio de gravação, 2 ou 3 projectos de discos com a participação de vários outros artistas e Diogo Mendes toca na Casa da Música, no Porto, dia 31 de Março.
Texto: Filipa Queiroz
Fotos: Escola de Fado de Coimbra