
Popularizada por Carlos Paredes, a guitarra de Coimbra distingue-se da versão lisboeta por ter uma tessitura mais grave e um timbre distinto, devido às diferenças na sua construção, bem como na execução. A afinação nominal, ainda hoje usada, mantém características das cítaras do Renascimento. É esta e muitas outras coisas que podem descobrir ou perceber no documentário A Guitarra de Coimbra que a investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa Soraia Simões de Andrade fez para a RTP, com produção da Velvet Station (José Ricardo) e som da On Time Media.
O desafio foi contar a história do património imaterial da Coimbra popular nas vozes de intérpretes homens e de intérpretes mulheres, construtores, estudiosos, documentos inéditos e espaços, desde o berço até à contemporaneidade, da tradição à modernidade, explicou-nos a produtora.

Mulheres
Revelações
A questão que mais tenho trabalhado ultimamente, inclusive na minha minha investigação académica e no podcast recente, incide nos papéis desempenhados por mulheres na música realizada em Portugal ao longo dos últimos 50 anos e na sua sub-representação em alguns territórios da cultura popular e concretamente da música, o facto de ter constatado que além da guitarra ter sido nos últimos quarenta anos ensinada a mulheres e existirem, como sabemos, mulheres que se profissionalizaram e notabilizaram com este instrumento musical (embora ainda sejam muito menos do que os homens, mas isso também está a mudar), ter escutado Gilberto Grácio (construtor de Carlos Paredes) a falar e destacar duas mulheres que tinha tido na sua oficina como suas discípulas, uma delas indiana, que, segundo ele, "daria uma excelente construtora", a Fabíola. É que muitas destas actividades são auto-financiadas. Algumas vêem-se obrigadas a desistir a meio. Por outro lado, foi com grande contentamento que vi uma guitarra de Raul Simões, um dos últimos violeiros de Coimbra mas que também se destacou na construção de guitarras tendo uma delas sido encomenda por Artur Paredes, no Museu Académico e pude constatar que Fernando Meireles, reconhecido construtor de instrumentos musicais em Coimbra, teve como primeira referência para a sua construção essa mesma guitarra.


Actualidade
[A Guitarra de Coimbra está] no contexto académico mas também em espectáculos, no À Capella, etc. Os processos de turistificação, mais comerciais, não são um exclusivo dos fados ou da guitarra, julgo que desde que ambos possam coexistir sem se atropelarem. Só me fará confusão quando um prevalecer sobre o outro e a história ficar prisioneira de um dos lados da mesma, como nos transmitiu, e bem, Miguel Torga, a tradição deverá semear o progresso, ora conquanto o progresso não se reduza ao aspecto comercial apenas a Guitarra, Coimbra e a sua história e os músicos e intérpretes relevantes que se queiram profissionalizar só terão a ganhar com esse crescente interesse. As pessoas poderão escolher o que lhes interessar, percebendo as dinâmicas socioculturais deste século em que vivemos. No fundo tudo volta onde tem que voltar, parece-me.
Texto: Filipa Queiroz